Pedaços

Posted in Poemas with tags , , , on 23/07/2018 by Geraldo Maciel

Ela olha para a câmera

e sorri de um jeito estranho

Sua boca se mexe

e é como se os olhos

e a cara toda sorrissem

Os ombros se movem um pouquinho

Apenas um segundo

E só um segundo é necessário

para que eu queira arrancar meu coração

colocar numa bandeja daquelas de prata

que só gente rica tem

e dizer

Toma

Faz o que quiser que eu já não me importo

Pode afiar aquela faca ali

E cortar em pequenos pedaços

Mexe com seus dedos em minha carne

Cravando aos poucos suas unhas

Guardando nelas partes microscópicas de mim

Então ela vai embora

Some e parece que nem vai voltar mais

Não vejo mais seus olhos nem sua boca

quando o que eu mais queria era acordar em sua cama

e aproveitar o vazio de todos os dias

Ela não se move mais na minha frente

E só um segundo foi necessário

para que a pele se soltasse dos ossos

e se dependurasse como me puxando pra baixo

enquanto ela parecia dizer

Não quero seus ossos

Quero apenas a parte pura de você

Cortarei a sua carne

E a colocarei em minha cama

Para me deitar sobre ela e impregná-las

Com o cheiro das minhas pernas

E depois me levantar

Ela se levanta

E vai

o que és

Posted in Poemas on 25/08/2016 by Geraldo Maciel

outro ano

outro lugar

és outra

outros somos nós

o mundo derrama-se

e escorre sob teus pés

que caminham

pelo espaço inimaginável

és tudo que foras

e ainda é mais

é teu dia

e tua vida surge novamente

como a estrela mais linda

a estrela que

enquanto brilhar

terá tudo que houver

Portus Cale

Posted in Poemas on 18/09/2015 by Geraldo Maciel

onde acordarás quando o próximo sol nascer?

que roupas vestirás quando novas ruas conhecerem teus pés?

que travesseiros terão a marca do batom que esqueceste de tirar quando as luzes se apagaram?

de que tamanho seremos em nossas novas vidas quando houver outros renascimentos?

quantos postes se apagarão misteriosamente quando caminhares pelo ermo?

que gosto terão tuas lágrimas negras quando derramares estranhas felicidades?

de que maneiras o cosmos se moverá quando se moveres pelas enseadas?

quanto amor derramarás diante das vitrines por que passarás quando as câmeras focalizarem teus pés?

quanto teus pés pisarão e quantas farpas ficarão quando o mar for só a lembrança do que se partiu?

quanta vida escorrerá de tuas mãos e marcarão teus dedos quando os cacos voares pelos céus?

quando estaremos no meio do tornado?

quando os pinhais falarão conosco?

quando caminharemos em meio às vinhas?

e quando

apenas dize quando

os navios deixarão de nos enganar

ao errar pelos mares do desencanto…

por enquanto

Posted in Poemas on 29/08/2015 by Geraldo Maciel

trago-te flores

incenso

e perfumes

às vezes palavras

hoje menos olhares

e menos toques

por enquanto

 

mas ainda

olhares

e pequenos toques

enquanto

te trago flores

perfumes

e novas oferendas

 

e enquanto

meus passos seguem por novas ruas onde tudo é impermanente

meus olhos encaram paredes brancas e novas guerras

meu corpo se habitua às pequenas mortes diárias

e as lembranças transcendem as horas cotidianas

trago-te uma canção cujo som não se ouve

mas que ouvirás por saberes quem és

 

novas montanhas serão escaladas

para que eu possa todos os dias colher novas flores

para que eu possa alimentar-me da quase ausência de ar

para que eu possa cegar-me no segundo em que vir tuas novas cores

para que eu entrelace minhas mãos na densidade daquilo que ainda não vimos

para que não haja nada além do que tivéramos e do que inesperadamente nos faltou

em nosso enquanto

 

O silêncio dos deuses

Posted in Poemas on 25/08/2015 by Geraldo Maciel

Talvez agora eu não tenha a palavra certa a dizer

Talvez agora não haja a palavra certa a dizer

Talvez a palavra nunca tenha havido

Mesmo enquanto os anos passavam

E as águas comunicavam-se entre os rios

 

Talvez tantas palavras nos intrigassem

Enquanto atravessávamos desertos

Apenas porque nada seria capaz de nos dizer

O que tentavam as estrelas que buscávamos

Entre toda a humanidade

 

Não há palavras nesse dia

Porque nesse dia os deuses se calam

Celebram

E curvam-se

Ante teus mares

Sim

Posted in Poemas on 10/08/2015 by Geraldo Maciel

Se é possível nos apaixonarmos por alguém que nunca tínhamos visto antes e que de repente passou pela nossa frente num corredor fazendo com que toda a luz do dia se apagasse

Se é possível atravessar cidades em algumas horas para ver mais de perto olhos que carregam em si toda significação do mundo

Se é possível saber que há apenas um gosto que nos sacie completamente e que mesmo assim nos manterá famintos por todos os dias

Se é possível fazer com que nossa pele sinta-se em paz tão somente com o contato de outra pele que por todos os motivos faz-se única

Se é possível enxergar a profusão de cores que não são tantas mas são todas no momento em que certos passos vêm em nossa direção

Se é possível achar linda a imagem que criamos e depois ter a certeza de que não criamos nada porque tudo era solidamente real

Se é possível saber que a saudade pode nos fazer mais felizes apesar de nunca acabar uma vez que renasce para nos alimentar novamente

Se é possível ouvir o som daqueles passos sobre saltos ou tocando diretamente o chão e transformá-lo na melodia mais perfeita de nossa vida

Se é possível acordar à noite e ver não o escuro mas a claridade que insiste em emanar dos poros que a vida teve a sensibilidade de criar

Se é possível manter viva toda a beleza que só se criou porque um dia houve uma pausa entre tudo que existe para que surgisse um momento perfeito

Se é possível entendermos o que o sublime significa mesmo fora de filosofias e considerarmos apenas aquilo que chega a nossos olhos

Se é possível depois de muito tempo esse poema ser escrito e quem sabe ser lido por quem possa entendê-lo

Se é possível que os pensamentos sejam os mesmos quando o sono invade e quando ele parte sem o mínimo aviso

Sim, é possível

outra vez na estrada

Posted in Poemas on 30/07/2015 by Geraldo Maciel

a estrada ainda pareceu longa

ainda não consegui contar os quilômetros

ainda volto para onde não moro

 

porque o lugar onde moro é abstrato

é um gesto

um abraço

um sorriso

que significam muito mais que sua concretude

 

ainda espero a luz acesa quando chegar

ainda espero a luz abstrata quando chegar

porque a porta ainda está aberta

 

mas agora

há uma sutil diferença

há outra luz dentro de mim

há outra estrada dentro de mim

que podem tornar tudo mais puro

que podem tornar o que há de bom melhor

que podem exilar o que há de ruim

que podem findar a ignorância e o medo

 

e manter a porta aberta

para que haja para onde voltar

Dou-te meu poema

Posted in Poemas on 21/07/2015 by Geraldo Maciel

Dou-te meu poema

para que o sigas aonde quer que ele vá

para que ele o siga aonde quer que vás

 

Dou-te meu poema

porque sei que és um pássaro

porque sei que rasgará os céus

 

Dou-te meu poema

para que ele gravite em torno de ti

para que ele se alimente de tua órbita

 

Dou-te meu poema

porque podes estar em quaisquer céus

porque posso não mais ver onde estás

 

Dou-te meu poema

para que ele nasça sendo teu

para que ele encontre teu ninho

 

Dou-te meu poema

porque ele nasceu sendo teu

porque ele tem seu ninho em ti

 

Dou-te meu poema

para que saibas e

porque sabes

 

Dou-te meu poema

para que ele seja

porque és

 

Alma

Posted in Poemas on 13/07/2015 by Geraldo Maciel

Acordar

e perceber que às vezes não há nada a se fazer

além de esperar o tempo necessário,

sabendo que resta

a busca

por uma alma que às vezes se esconde

e que precisa ser encontrada,

lapidada

e transformada em algo novo.

 

Acordar.

E, enquanto o sândalo perfumar a sala,

saber que existe muito que não se perdeu

entre os cacos que se espalharam.

 

Acordar.

E saber-se

entre tudo que não se sabe.

Eras tu

Posted in Poemas on 08/07/2015 by Geraldo Maciel

Na primeira vez em que vi teu nome, só pude imaginar quem caberia em um nome tão forte e doce ao mesmo tempo. Não sabia quem eras.

Na primeira vez em que vi teu rosto, tudo mudou. Vi que não era teu nome, mas eras tu. Eras aquilo que não podia ser nomeado. Eras aquilo com que eu havia sonhado. Teu nome, forte e doce, era insuficiente para te nomear.

Enquanto caminhavas em minha direção, eu sabia que teus passos causariam avalanches e que qualquer montanha tremeria sob teus pés. E eu acreditei.

Acreditei que seríamos tudo que o mundo nunca viu. Acreditei que serias o motivo de meus versos e de meus roubos a outros poetas.

Acreditei que arrombarias todas as portas da minha vida e que as fechasse somente quando quiséssemos ficar sós.

Acreditei naquele dia, acreditei em todos os outros dias e ainda acredito.

Nunca deixarás de ser o que foste para mim: magnífica demais para caber em teu nome.

Por mais ou por menos que tenhamos feito, agora sei que consigo conter minhas explosões, canalizar algumas e liberar outras: apenas as que nos façam bem.

Porque sei que minhas explosões mais bonitas eras tu. As incômodas… não serão mais vistas.

Reformo agora a casa que existe dentro de mim, para que nela caibas plenamente – com o tamanho e a força de um nome em que não cabes. Com tua doçura. Com tudo que és.